Quem: uma equipe internacional de físicos liderada pelo Instituto Max Planck de Física Nuclear, da Alemanha.
O que: apresentou, na revista Nature desta quarta-feira (30), evidências de um novo método para detectar neutrinos — as chamadas “partículas fantasmas”.
Onde: o experimento foi realizado na usina nuclear de Leibstadt, na Suíça, a 20,7 metros do reator.
Quando: os dados foram coletados ao longo de 119 dias e publicados em 30 de agosto.
Como: usando um detector de apenas três quilos, baseado no fenômeno CEvNS, capaz de registrar interações sutis entre antineutrinos e núcleos atômicos.
Por que: a técnica reduz tamanho, custo e complexidade dos observatórios tradicionais, abrindo possibilidades em pesquisa fundamental e monitoramento de reatores.
Contexto da detecção de neutrinos
Neutrinos são partículas sem carga elétrica, quase sem massa, que atravessam matéria sólida como se ela não existisse.
A cada segundo, cerca de 60 bilhões vindos do Sol cruzam cada centímetro quadrado do corpo humano sem deixar rastro perceptível.
Por escaparem de interações, foram apelidados de “fantasmas do Universo” e exigem instrumentos extremos para serem observados.
A limitação dos tanques gigantes
Tradicionalmente, pesquisadores constroem reservatórios subterrâneos de água ultralimpas ou utilizam blocos de gelo na Antártida.
Lá, esperam que um neutrino muito energético colida com um átomo e produza um brilho mínimo, captado por sensores ópticos.
Instalações como IceCube e HyperKamiokande custam centenas de milhões de dólares e demandam décadas para ficar prontas.
Novo método de detecção de neutrinos
O artigo descreve o uso do espalhamento elástico coerente neutrino-núcleo, sigla CEvNS, previsto teoricamente em 1974.
Nessa interação, o antineutrino rebate no núcleo inteiro do átomo, gerando um recuo ínfimo, porém mensurável com detectores sensíveis.
A abordagem funciona mesmo para partículas de energia baixa, impossível de serem vistas pelos métodos ópticos convencionais.
Características do detector CONUS+
O equipamento, batizado de CONUS+, pesa apenas três quilos e emprega cristais de germânio resfriados a temperaturas criogênicas.
Ele foi instalado em um corredor de acesso da usina de Leibstadt, protegido por blindagens contra radiação ambiente.
A curta distância de 20,7 metros do núcleo do reator garante fluxo intenso de antineutrinos, facilitando a medição estatística.

Imagem: Kakteen Shutterstock via olhardigital.com.br
Resultados obtidos
Durante 119 dias, o detector registrou 395 eventos compatíveis com CEvNS, quantidade prevista pelos cálculos de modelo padrão.
Os dados confirmam a eficiência do instrumento e demonstram concordância com as incertezas estatísticas do experimento.
Segundo os autores, é a primeira vez que esse tipo de observação é realizado com equipamento tão compacto junto a um reator comercial.
Repercussões para a física de partículas
A comprovação experimental reforça a teoria do modelo padrão, ao mesmo tempo em que cria margem para buscar fenômenos além dele.
Medidas precisas de CEvNS podem revelar possíveis interações desconhecidas, diferenças entre neutrinos e antineutrinos ou indícios de matéria escura leve.
O resultado aponta ainda para a possibilidade de comparar taxas de decaimento nuclear em diferentes reatores, testando simetrias fundamentais.
Aplicações em segurança nuclear
Detectores portáteis baseados em CEvNS poderiam monitorar reatores em tempo real, sem necessidade de acesso interno à instalação.
O fluxo de antineutrinos varia conforme o estado do combustível, permitindo verificar discretamente potenciais desvios de material físsil.
Equipamentos leves e baratos favorecem adoção em países com infraestrutura limitada, fortalecendo protocolos de não proliferação.
Perspectivas na astrofísica
Versões maiores dos mesmos detectores podem ser distribuídas em rede global para captar emissões de supernovas ou fusões de estrelas.
Como antineutrinos escapam de regiões opacas à luz, fornecem informações diretas sobre processos extremos no interior dos objetos celestes.
A técnica, portanto, amplia o arsenal observacional, complementando telescópios de ondas eletromagnéticas e detectores de ondas gravitacionais.
Próximos passos da pesquisa
Os responsáveis planejam aumentar sensibilidade do CONUS+ com novos cristais e eletrônica de menor ruído para reduzir fundo ambiental.
Também estudam replicar o sistema em outros reatores, comparando ambientes distintos e verificando robustez dos resultados.
Caso a escalabilidade se confirme, a detecção de neutrinos poderá deixar de depender de estruturas colossais, tornando-se rotina em laboratórios médios.